quinta-feira, março 06, 2008

Erros que custam caro

Foi anunciado com um certo sabor institucional a participação dos colegas advogados na resolução das contra -ordenações rodoviárias. Não posso estar em mais desacordo.
Já foi em anterior mandato da nossa Ordem classificado os advogados de empresa como "um facto consumado" devido à descaracterização que essa postura transportava para o que durante os tempos se entendeu que deveria ser apanágio de um advogado e agora com esta prestação patriótica, estamos, salvo o devido respeito, a atirar, passe o termo, mais cimento para o assalariamento da advocacia. Não se entende que não vai há muito tempo se entendesse que os colegas que prestavam serviço remunerado nos escritórios de sociedades de advogados fossem considerados os novos proletários, tendo como consequência, dizia-se, a sua "exploração". E agora, este acordo "contra natura "é o quê?
Se o governo necessita de resolver o problema das prescrições das contra-ordenações deveria, como seria correcto, abrir concurso para contratar funcionários para esse efeito. Não importaria que se previligiasse licenciados em direito ou mesmo advogados desde que suspendessem a sua inscrição na Ordem, salvaguardando a sua independência perante os cidadãos.
Todos perceberam que os tempos são difíceis, mas há que resolver as questões, não criando mais sinecuras que vão colmatar os problemas financeiras de uma centena de advogados, mas que vão sem dúvida engajar e solidificar mais a ideia que nós pretendemos ser funcionários públicos.
Que hão-de pensar os colegas que têm a sua porta aberta em sociedades ou individualmente, com encargos brutais, quando assistem a uma concorrência sem limites dos advogados de empresa que laboram nas sociedades comerciais, nas mais variadas associações que incluem no seu pacote de ofertas, apoio jurídico aos seus associados, etc., etc. E, o que é mais grave, apesar de assalariados e descontarem para as respectivas seguranças sociais e helas! para a nossa caixa, advogam nos tribunais.
A independência dos advogados está a um passo do abismo, se não se encontra já em plena queda. Neste momento encontrou mais um patrão, o Estado.
O nosso bastonário é um homem bondoso, mas o espirito que o informa tem que ter a coragem, não o de brandir contra sociedades constituídas nas cidades de Lisboa e Porto que prosseguem uma postura de mercado activa e de negócios que conflitua com uma advocacia que nada tem a ver com aquela. Não estarão as sociedades de advogados que agem com seriedade, na generalidade mais perto de prestigiar a advocacia do que a promoção do assalariamento dos advogados, quer em instituições ou empresas ou no Estado ?
Nos trinta anos de advocacia que levo já não consigo ficar sequer apreensivo, dado esperar que todos nós, os que recebiam 50 cêntimos por uma oficiosa, sejamos os "ricos" bodes expiatórios da tolice que foi a criação de faculdades de Direito, ao arrepio de uma vida académica que as faculdades estatais eram cerne e de cujos estudos todos no poderemos orgulhar.
Que fez então a Ordem quando a realidade dos candidatos à advocacia tornava perfeitamente pensável o que iria suceder?
Vamos continuar a empenhar a nossa firmeza, coragem e independência na sociedade com alinhamentos quer com o poder económico no caso dos advogados de empresa quer com colegas que hoje vão trabalhar em contra-ordenações, mediações e outros "ões" que durante o nosso percurso social irão aparecendo, sempre embrulhadas de forma a que todos os aceitemos sem reflexão.
A nossa Ordem poderá ficar menos rica sem os contributos de tantos advogados assalariados, mas terá que definir se a actividade pode ser exercida por telemóvel, à mesa do café, sem o minimo de identidade e dignidade e sobretudo se quem é assalariado pode exercer a advocacia, nomeadamente a litigiosa na barra dos tribunais.
Será que os advogados que se constituíram em sociedade e os de prática isolada têm as mesmas preocupações que os que tem o seu "emprego" assegurado? O sr. bastonário tem que reflectir antes de avançar sob pena de tornar a nossa vida mais complicada. Referende-se ao menos as posições que se tomam para que ao menos se tenha o conforto de que o erro, no caso de o ser, não seja só nosso.
Não tenho, contudo dúvidas que não vai demorar muito e a resposta a todas estas preocupações é levar com mais um pacote de processos oficiosos para assalariados de pacote. É o próximo presente que iremos ter. Estaremos em saldo?
José Fernando

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